sábado, 7 de junho de 2008

Com Olívio não era assim

Nas suas confissões, Busatto generalizou a idéia de que em todos os governos passados “se fazia assim”, numa alusão ao loteamento das estruturas para partilhar esquemas de corrupção entre as “famílias políticas” gulosas.

Não é verdade o que confessou Busatto. No governo Olívio não foi assim.

A falta de maioria parlamentar na Assembléia sempre foi contrapesada com a sustentação social principalmente através do Orçamento Participativo. O governo Olívio nunca proclamou uma fatalidade da maioria parlamentar para cair na gandaia e fazer um governo amorfo programaticamente.

E mesmo com minoria parlamentar – mas com capacidade de construção de maioria social e política – o governo Olívio aprovou todas as matérias de interesse público e da sociedade gaúcha e, sobretudo, soube superar uma CPI – aquela sim golpista – que teve item por item desmontado na Justiça e no Ministério Público posteriormente.

Política da séria, programa democrático e popular e retidão na condução da coisa pública. São marcas do governo Olívio que as confissões do Busatto não conseguirão macular para misturar com o lodo em que charfunda Yeda.

Impeachment, uma agenda realista

As confissões de Cézar Busatto na conversa gravada pelo [Vice-]Governador Paulo Feijó formam uma tese e condensam várias práticas e lógicas.

A tese é: há intencionalidade e consciência do governo e da governadora Yeda Crusius na conversão do Estado em “capitanias hereditárias” divisíveis entre as “famílias políticas”, que o dominam de maneira corrupta.

As práticas e lógicas derivadas de tal tese são o que acontece no Detran, na CEEE, no Banrisul, no loteamento de cargos públicos, no tráfico de influências, na promiscuidade com empresas, etc.

As confissões de Cézar Busatto, que é o Chefe da Casa Civil, estocam definitivamente a crise no andar mais alto do governo estadual. São confissões que confirmam que o modus operandi [dos “elementos”] do governo se fundamenta na corrupção compartilhada. É assim que garantem o modus vivendi - citação latim do Busatto nas conversas com Feijó – entre as diferentes “famílias políticas”.

A situação da governadora é irremediavelmente grave. Além dos aspectos materiais, documentais e objetivos que permitem responsabilizar Yeda, subjetivamente a imagem que se consolida é de debilitamento político e fragilização que lhe retira crescentemente a capacidade de continuar governando. O impeachement passa a ser uma agenda hiper-realista.

Antes faziam com o DAER, Busatto?
Dentre as confissões, Busatto ilustrou ao [Vice-]Governador Paulo Feijó que antes do Detran e do Banrisul, o DAER era o alvo das pilantrices.

Busatto supostamente se refere ao modus operandi que adotavam no DAER durante o governo Britto.

Isso tudo – a lambança e colapso geral da política gaúcha – trazem a desafiadora curiosidade de saber o quê esta turma que ocupa o noticiário policial hoje não deve ter feito durante o famigerado governo Britto. A turma [os “elementos”] é a mesma, com a diferença que naquela época a Polícia Federal era amordaçada e partidarizada pelo governo tucano-pefelento de FHC.

Esquizofrenia
O governo estadual, governadora Yeda à frente, quando não enfia a cabeça num buraco em profunda depressão e entra em coma silenciosa, se manifesta e revela uma esquizofrenia primária. Age como a pessoa desesperada que, diante da notícia dada pelo médico de que possui câncer, quer matar o médico ao invés de combater a doença: atacam a imprensa, a CPI, a oposição e todos que se escandalizam com as barbaridades cometidas pelos “elementos” do governo.

Respingos municipais da crise estadual
A conjuntura eleitoral, em princípio, fica alterada em favor do PT na eleição de Porto Alegre. As candidaturas de Fogaça e da Manuela ficam abaladas com as confissões de Busatto.

O ex-Secretário de Governança Solidária de Fogaça poderá ter de explanar o modus operandi que aplicava para garantir o modus vivendi de um partido chiquitito [PPS] com o condomínio partidário conservador que fatiou a prefeitura em muitos interesses.

Busatto, apesar de ser favorável à coligação do PPS com o Fogaça, é correligionário de Berfran Rosado, o neo-socialista candidato a vice de Manuela que com Busatto compartilhava do modus operandi no DAER na época do Britto.

De todos os modus, faltou modos
De todos os modusoperandi ou vivendi -, a verdade é que o habitus da turma revelou uma total falta de modos com a coisa pública. É uma indecência.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

“Cumprir o que Ela mandar cumprir”

A revelação hoje, na CPI do Detran, do áudio das gravações de conversas mantidas entre os integrantes da quadrilha que sangrou o Detran, provocou uma alteração de qualidade da conjuntura política gaúcha.
Primeiro, porque pôs por terra abaixo a tese dos indiciados pela Justiça que, ou abusando do direito de não falar ocultavam os fatos e a verdade, ou dos falastrões do bando que, falando, demonstraram uma crença onipotente de que poderiam engambelar o mundo com lorotas de quinta categoria. Tudo ruiu: versão por versão, mentira por mentira, silêncio por silêncio.
As gravações também revelaram que o esquema não só era operado pelos personagens que hoje são réus ou investigados, como também era do conhecimento de esferas mais altas do poder do Governo do Estado. O dirigente do PSDB e Secretário-Geral de Governo, Delson Martini, por exemplo, era recorrentemente citado nas tratativas. Figurava nas conversas aparentemente como alguém vocacionado a transmitir “vontades superiores”.
É tristemente reveladora a citação feita por Antônio Dorneu Maciel numa das conversas entabuladas com Flávio Vaz Neto, que alude à governadora Yeda Crusius. Em meio ao relato que fazia ao Flávio a respeito de um encontro com um representante de outro bando do esquema, Maciel afirma:

Ela que diga o que o Flávio tem que fazer, porque o Flávio vai cumprir o que Ela mandar cumprir. Disso não tenha dúvida.

O negócio é o seguinte: o Flávio é um homem disciplinado e faz o que Ela mandar. Se Ela disser que é pra fazer isso ele vai fazer, senão ele não vai fazer. Quero que tu entenda isso. Aí ele já deu um pau nela, que Ela é meio sacana mesmo, que costuma botar umas pessoas contra as outras ...
[Esta e outras 34 gravações podem ser acessada no saite da
Zero Hora].

A reação do governo foi uma patética entrevista coletiva do Secretário-Geral de Governo, Delson Martini, que depois de quatro meses se esquivando, finalmente se colocou à disposição da CPI para depor. Como de costume, o governo desorientado agiu tarde e outra vez erradamente.

Mesmo que deponha, a estas alturas Delson Martini é, contudo, apenas o anel. O dedo e o corpo todo – leia-se, a governadora e seu governo – estão irremediavelmente condenados e com os dias contados. Política e moralmente foi alvejado com flechadas no coração. Ao que parecem, mortais.

terça-feira, 3 de junho de 2008

“Chutzpah”, ousadia descarada

O depoimento de Antonio Dorneu Maciel ontem na CPI do Detran foi uma enciclopédia simbólica. O depoente não economizou nos símbolos que poderiam confundi-lo como uma das Suas Excelências, os Nobres Deputados. O cume da síndrome dual do depoente foi quando alertou o Presidente da CPI de que o “diálogo” deveria se dar exclusivamente entre “Ele e os senhores deputados” [sic].

No que toca às tramóias do Detran, assunto que lhe levou à prisão, ao indiciamento judicial e ao depoimento na CPI, Antônio Dorneu Maciel se posicionou olimpicamente alheio ao assunto, apesar do oceano de evidências e materialidades em contrário. Antônio Dorneu Maciel levou mais de 7 meses para apresentar à CPI um álibi ridiculamente sui generis: a maleta levada ao seu flat recheada de propina era, na realidade, um computador portátil recheado de projetos de boas ações! Um deboche.

Do jeito que as coisas andam na CPI, com a sucessão de anjinhos negando toda e qualquer responsabilidade [isso quando se dispõe a falar], não tardará muito e seremos obrigados a concluir que a tramóia do Detran foi obra dos motoristas do RS!

Como em outra aparição pública [numa entrevista à Zero Hora de 16/11/2007], ontem na CPI Antônio Dorneu Maciel abusou calculadamente de duas personalidades: a da autoridade equiparável às Suas Excelências, um gigante partidário do PP [que porém desconhece a tramóia do Detran]; e a do humano clemente, que pedia aos deputados que olhassem no fundo de seus olhos para verem a pureza de sua vida.

Esta atitude última, de alguém friamente preparado, me faz lembrar a expressão iídiche Chutzpah, desenvolvida por Irvin D. Yalom, em A cura de Schopenhauer [pág.76]:

Ousadia descarada, que em iídiche era ‘Chutzpah’, palavra sem uma correspondência exata em outras línguas, mas bem definida na história do menino que matou os pais e depois pediu clemência aos jurados por ser órfão”.

[Esta percepção está presente em Biruta do Sul de 18/11/2007; clicar para rever].