sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

A casa do Oscar

Chico Buarque, publicado no Terra Magazine*

A casa do Oscar era o sonho da família. Havia um terreno para os lados da Iguatemi, havia o anteprojeto, presente do próprio, havia a promessa de que um belo dia iríamos morar na casa do Oscar. Cresci cheio de impaciência porque meu pai, embora fosse dono do Museu do Ipiranga, nunca juntava dinheiro para construir a casa do Oscar. Mais tarde, num aperto, em vez de vender o museu com os cacarecos dentro, papai vendeu o terreno da Iguatemi. Desse modo a casa do Oscar, antes de existir, foi demolida. Ou ficou intacta, suspensa no ar, como a casa no beco de Manuel Bandeira.

Senti-me traído, tornei-me um rebelde, insultei meu pai, ergui o braço contra minha mãe e saí batendo a porta da nossa casa velha e normanda: só volto para casa quando for a casa do Oscar! Pois bem, internaram-me num ginásio em Cataguases, projeto do Oscar. Vivi seis meses naquele casarão do Oscar, achei pouco, decidi-me a ser Oscar eu mesmo. Regressei a São Paulo, estudei geometria descritiva, passei no vestibular e fui o pior aluno da classe. Mas ao professor de topografia, que me reprovou no exame oral, respondi calado: lá em casa tenho um canudo com a casa do Oscar.

Depois larguei a arquitetura e virei aprendiz de Tom Jobim. Quando minha música sai boa, penso que parece música do Tom Jobim. Música do Tom, na minha cabeça, é casa do Oscar.

* Texto escrito para os 90 anos do arquiteto Oscar Niemeyer, em 1998.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

“Aliados” derrotaram governo na CPMF

A derrota estrondosa do governo federal na votação da CPMF não foi causada pela previsível articulação contrária do reacionarismo demos-tucano, tendo FHC à frente das manobras estratégicas. Os Demos e o PSDB votaram centralizadamente, como um bloco monolítico - contra a prorrogação da CPMF.

A derrota do governo no plenário do Senado [sem se analisar os equívocos do governo ao longo dos últimos meses] foi determinada pelos votos contrários dos senadores “aliados” do governo – faltaram quatro para a aprovação. Três deles são do PMDB, que controla importantes ministérios, inclusive o da Saúde: Geraldo Mesquita (AC), Jarbas Vasconcellos (PE) e Mão Santa (PI). Dois são do PR, o mesmo partido do Vice-Presidente: César Borges (BA) e Expedito Junior (RO). E outros dois são do PTB, que tem muitos cargos na Esplanada: Mozarildo Cavalcanti (RR), que se ausentou, e Romeu Tuma (SP), cujo filho não-eleito na última eleição tem carguinho [9 – 10 mil] de Secretário no Ministério da Justiça.
Garibaldi Alves, o Presidente que é a cara do Senado, não votou, por ser voto minerva.

A elástica e pragmática aliança do governo Lula, causa de tantas metaformoses pessoais, ideológicas, programáticas e políticas de alguns, foi montada para garantir a vitória do governo em votações com exigência de maioria de 3/5 no Congresso.
Só reformas constitucionais [inclusive as de recorte conservador que tramitam] e restritas matérias legislativas necessitam de tal maioria. Na única necessidade nestes cinco anos em que o governo Lula precisou de maioria qualificada para aprovar medida de interesse social [a CPMF financia saúde, bolsa-família, etc], foi derrotado com a falta de votos dos “aliados” que fazem parte da aliança tão cantada em verso e prosa.

Venceu o reacionarismo nucleado em torno do PSDB e do Demos - FHC à frente das operações de guerra -, que defendem o endurecimento do combate ao governo Lula. É ilusão pueril imaginar que a oposição reacionária será responsabilizada pela eventual falta de investimentos sociais do governo. Se houver impacto nas políticas públicas e investimentos governamentais, quem paga a conta do desgaste será o próprio governo.